segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE VII


O FODA NÃO É A SUBIDA. É A QUEDA.

O anão enfim, foi anunciado. Bombom ficou onde estava. Já não se importava mais em se tornar alvo do anão. De receber sua gala. O tiro daquela vez foi certeiro em seu peito e ela foi jogada para trás com o impacto. O povaréu foi abaixo. Bombom ao chão, toda aberta, lambia agora com prazer o sêmen dourado do anão que lhe banhara todo o corpo. Lambuzara-se toda. O líquido escorria até a ponta do tablado caindo lentamente no piso de madeira. Disse brincando para um dos bebuns que bebia ao meu lado, que o sêmen do anão era sagrado. Uma espécie de chá alucinógeno mais potente que o Ayuasca. Foi o que eu disse. Ele correu para aparar com o copo. A notícia se espalhou. Logo todos queriam um pouco. Espremiam-se para receber goela abaixo o sêmen do anão. Eles acreditavam nisso. Alguns chegaram a afirmar que viam luzes douradas. Que se sentiam enormemente purificados. Naquele momento percebi o quanto é fácil enganar as pessoas. É por isso que as Igrejas existem. Ganhei alguns trocados extras comercializando o sêmen do anão no mercado negro. O Delirium nunca mais foi o mesmo. Todos os dias o lugar recebia um contingente imenso de punheteiros vindo de todos os pontos da cidade. Seu Tapajós passou a cobrar a entrada. E com isso, obviamente, foi entrando mais e mais dinheiro na casa. Tornei-me seu sócio. Sugeri que ampliássemos o lugar para comportar a multidão que jorrava casa à dentro. Seu Tapajós alugou o prédio ao lado. O lugar aumentou de tamanho. Uma a uma, as meninas voltavam: Mel Trepadeira, Joyce Bananinha, Bruninha Boquete, Fernandona Moedora de pica... Foram chegando mais e mais garotas querendo trabalhar na casa. Lembro-me de Mel. Era incrível. Escalava o ferro com sua buceta. Ia bem alto no céu e voltava. Daí a razão do apelido: Mel Trepadeira. Mel reclamava que a altura do ferro era pequena demais. Uma afronta. Podia ir mais longe. Sugeriu que aumentássemos o forro da casa. E foi o que fizemos. Àquela altura tínhamos bastante dinheiro no caixa. Mandávamos ver. Mandei construir um pequeno apartamento para mim e para o anão e passamos a morar naquele bordel. Na parte mais alta daquele prédio. Todas as manhãs, com uma doce ressaca, eu abria os janelões portugueses e via toda aquela parte da cidade: a Igreja Matriz, o porto Hidroviário, a cúpula do Teatro Amazonas, o Holland American Line ancorado, com toda sua pungência... Manaus nunca me foi tão bela. Tão fresca. Tão doce. Me senti o rei. Insolente. Esbanjador. Tinha dinheiro. Todas as mulheres que eu queria. Mulheres sujas. Mulheres limpas. Todos os buracos. Metia em todos os buracos. Metia. Metia. Metia. Metia mesmo pra valer, como se cada buraco daquele fosse o último da face da terra. Metia com fúria. Era como o anão ejaculando. Desisti de escrever. Não me interessava mais escrever. Queria só foder. Beber. Curtir! Para quê perder tempo escrevendo? Tentando ganhar a vida como escritor se eu tinha o mundo pela frente? Eu tinha agora uma janela nos altos de um sobrado na viela Mauá que se abria todos as manhãs para eu vislumbrar as estações daqueles anos loucos. Mas não pensem que esqueci do anão. Quando regressei de minha primeira e única viagem de férias da Ásia, trouxe-lhe do Japão um quimono dourado. Feito sob medida para ele. Estreou o quimono numa noite literalmente de gala. Ficou perfeito e alinhado no quimono que lhe dei. As putas o sediavam naquele quimono, mas ele sempre broxava. Cogitei que o problema tivesse na cabeça do anão. Algum trauma de infância, sei lá. Paguei-lhe uma profissional da área para cuidar da sua cabeça. A melhor da cidade. Mas não adiantou muito, não. O anão continuou broxando.
“Seu Mário – disse-me a psicóloga em seu consultório – o homem que broxa é o homem que se torna homem de verdade.” Não esqueço nunca mais aquelas palavras terríveis. Parei de me preocupar com isso. Da Cruz ejaculando e proporcionando felicidade a todos, era o que importava. Ele agora, metido em seu quimono dourado, ejaculava do tablado sobre a multidão. Todos se banhavam com o esperma do anão. Viam luzes. Visões. Lambiam-se como animaiszinhos. Alguns caíam de cara na poça dourada que se formava no chão de madeira. Prometi a Da Cruz, levá-lo para conhecer Catar no ano seguinte. Mas ficou só na promessa. O anão nem sonhando podia arrastar seus pészinhos dali. Ordem do seu Tapajós. E o tempo foi passando...
***
Um dia, Jesus foi ter comigo. Estava bastante abatido. Bebendo demais. Havia perdido definitivamente Cristal para um fiscal da receita que era comum e que freqüentava o Delirium. Queria minha ajuda:

“Fale com ela, seu Mário. Ela está cega. Tudo isso aqui vai passar.” Ouvia o insolente enrolado em meu robe indiano. Fumava meu cachimbo sossegado, olhando da varanda, a rua lá embaixo. Me sentia um autentico Al Capone decidindo o destino das pessoas. Todos vinham pedir conselhos. E aquele foi o mais idiota que ouvi:

“Olha, homem, Cristal não lhe ama. Por que não a deixa em paz e pare de sofrer como um idiota.” Disse pra ele. Jesus olhou-me daquele jeito e disse:


“Preste bem atenção, seu Mário: o problema não é a subida, é a queda.” E se foi mancando e balançando os terços. Fiquei com aquilo formigando na cabeça. Jesus era um idiota. Derrotado. Nunca foi com a minha cara mesmo. Depois daquela audiência, o sujeito relaxou de aparência completamente. Deixou a barba e o cabelo crescer. Andava sujo, em andrajos, pelos arredores da Matriz, parecendo um messias esquizofrênico. Pregava o dia inteiro na porta do Delirium, dizendo: “O anão é uma mentira! O anão é uma mentira! Mas ninguém lhe dava ouvidos. Havia aquele sorriso congelado em seu rosto. Quem levaria o cara a sério? O fato é que Jesus iniciou uma verdadeira cruzada contra o Delirium Drinks. Reunira em torno dele uns poucos séquitos que haviam se desmembrado da Igreja Universal, e numa tarde – como o exército de brancalione – a corja de fanáticos subiu enfurecida as escadas do bordel. Houve uma confusão danada. Jesus gritava gesticulava da porta: “O anão é uma mentira! O anão é uma mentira! Voltem às suas vidas!” Um dos bêbados tomando aquilo como um despropósito, arremessou Jesus escada abaixo. O infeliz torceu o pescoço e morreu. Fui olhar o corpo lá embaixo. Mesmo morto, ele ainda sorria. Não veio a polícia. Não veio o jornal. O investigador responsável pela investigação do crime, era frequentador da casa, e que portanto, não deu importância ao caso. Nem a própria Cristal que no mês seguinte, casara com o cara da Receita que era comum. Jesus era mais um esquizofrênico. E tudo voltou ao normal no Delirium. Sem mais aborrecimentos...

domingo, 29 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE VI

 JESUS

No dia seguinte, voltamos lá. Demos com o lugar entupido de gente. As pessoas espremiam-se na escada. E com certeza não era por se tratar de uma sexta-feira. Dia de grande movimento na viela Mauá. Todos ali estavam para ver o anão ejacular. Tapajós já nos aguardava à porta:
“Como ele está hoje, seu Mário?”

“Revigorado, seu Tapajós!”

A peãozada olhou e riu quando entrei com o anão. Como de costume sentamos nos fundos, próximo ao extintor mais alegre. O lugar estava limpinho e com cheiro de Bom Ar. Mas logo ficaria sujo. Bem sujo e fedorento. Bombom fazia seu número costumeiro. Parecia mais lascívia. Ardente. O sêmen do anão havia tocado fundo o seu coração e a deixado mais profissional. Ela acenou sorrindo quando nos viu. Tapajós nos apresentou Cristal. Cristal era uma combinação de cabocla com cearense. Estatura mediana. Magra, olhos claros. Cabelos louros, encaracolados. Bem apanhada, a danadinha. Ficou na mesa com a gente. Calada. Tinha um ar mais atrevido que a de Bombom. Mas tinha sido bem adestrada. Tapajós sabia adestrar bem as suas meninas. Veio uma cerveja pra mesa. Os ventiladores trabalhavam espontaneamente e com mais vigor:

“O senhor notou como está a casa hoje, seu Mário?” Disse Tapajós, nos servindo.

“Bem agitada, hein, seu Tapajós?”

“Olhe, seu Mário, são anos ralando nesse lugar, desde que cheguei à Manaus, vindo de Tocantins. E eu confesso ao senhor que nunca vi a casa assim, saindo pelo ladrão. E isso aqui já foi bom, há uns anos atrás. As meninas eram ótimas. Novinhas, durinhas. A Mel Trepadeira, a Joyce Bananinha, a Bruninha Boquete, a Fernandona moedora de pica... Ah, isso aqui, seu Mário, era um paraíso. Todos vinham para cá deixar seu santo dinheirinho. Mas depois, assim, num piscar de olhos, veio a crise e isso aqui decaiu. As meninas debandaram. Uma revoada de periquitos. Aquilo me  partiu o coração. Só me restaram a Bombom, Cristal e a negrinha que é só cobrir-lhe o rosto com a bandeira do Brasil e pronto! Mas já estão cansadas e emburradinhas. Me dão prejuízo. E olhe o senhor que sou um pai. Chegam às pencas do interior, perdidinhas e maltratadas, e eu acolho todas elas. A negrinha, por exemplo, chegou estragadinha do Anori. Dentes podres. Um hálito do cão. Cuidei dela e hoje ganha honestamente o pãozinho dela. Sonha com dentes de ouro, a pobrezinha. Bombom e Cristal é o que eu tenho de melhor por aqui. Seguram as pontas. De fé. Aí o senhor me aparece com este anão e olhe o resultado agora. Olhe pra isso, seu Mário! A casa cheia. Vamos faturar muita grana, meu  amigo. Eu lhe digo!”
Fiquei animado também e tomei uma golada da minha cerveja. Tapajós continuou falando com nostalgia. Falou da sua vida. Da sua luta. As pessoas estavam impacientes para ver o anão ejacular. Passei discretamente minhas mãos nas coxas de Cristal e ela não disse nada. Estava séria. Sem dizer uma palavra. Fiquei ali brincando com os meus dedos como quem não quer nada bem na entrada da sua buceta. Meu pau já era um ferro em brasa. Mais gente chegava. Vi quando Jesus entrou. Moreno-claro, alto, magro. Trazia enrolado nos punhos, um punhado de terços. Uma figura, este Jesus. Sobrevivia dos terços que vendia nos puteiros e morria de amores por Cristal. Chegou ao desatino de pedir-lhe em casamento. Parado à porta, ele erguia a vista procurando por Cristal. Não largava o osso um só instante. Outro aspecto interessante no moço Jesus é que mancava de uma das pernas e não parava de sorrir. Sorria o tempo todo. Mesmo quando estava triste. Ferido. Viria saber mais tarde que Jesus tinha um problema nos músculos faciais decorrente de um derrame que sofrera e que o deixou para sempre com aquele sorriso idiota congelado na cara. Jesus freqüentava o Delirium desde as vacas gordas. Vivia juntando dinheiro para comprar uma casa e tirar Cristal da lama. Mas Cristal só queria tirar proveito do seu coração. Não amava Jesus. Embora ele fosse o seu melhor cliente, ela nunca o amou de verdade. “E agora mais este me querendo roubar a Cristal.” Reclamou seu Tapajós, levantando-se.

“O selior é o plai dlu anão?” Perguntou Cristal. Falava engraçado, Cristal. Tinha a língua presa. Cuspi longe minha cerveja querendo rir. Controlei-me.

“Não, minha querida. Apenas amigos. Sou seu empresário agora.”

“É vledade qlele gloza longi?”

“É sim, meu anjo.”

"Mlas, asxim, dlaqui?”

“Dessa mesma distancia de onde nós estamos agora, bebê.”


“É plaplo dlo selior.” (Francamente não sei se reproduzi bem a fala de Cristal, mas enfim.) Jesus sentou em uma mesa próxima e acenou pra Cristal balançando os terços. Sorria como um idiota. Por dentro, queimava em ciúmes. Não foi com minha cara, não, este Jesus. Não conseguia conceber como um homem podia viver daqueles terços. Balançava os terços demonstrando impaciência. Cristal pediu licença com sua fala engraçada e foi até ele. Precisava trabalhar. Era bastante gostosa, Cristal. E como rebolava. Mas eu ainda tinha a Bombom. E ela estava impossível àquela noite. Fazia sua performance com uma garrafa de cerveja simulando uma masturbação. Estava bêbada. Alegre. Sentia de longe seu cheiro de puta no cio. Agora sim, parecia uma mulherzinha de verdade. Valente. Corajosa. Mais gente chegava. A casa já inteiramente tomada. A grande horda acotovelava-se pelo salão. O chão de madeira do Delirium tremia. Seu Tapajós andava de um lado para outro esfregando as mãos. Olhei para Da Cruz e notei que seu pensamento estava longe. Ele olhava triste vendo o globo girar. Falava pouco, o anão. Até ali, não havia notado nada de errado com o meu camaradinha. Só mais tarde, é que eu viria perceber algo de muito estranho que se processava nele cada vez que esporrava. Algo que me tiraria o sono. O sono de todos. Mais calma, outra vez! Isto é mais pra frente...

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE VII

JESUS

No dia seguinte, voltamos lá. Demos com o lugar entupido de gente. As pessoas espremiam-se na escada. E com certeza não era por se tratar de uma sexta-feira. Dia de grande movimento na viela Mauá. Todos ali estavam para ver o anão ejacular. Tapajós já nos aguardava à porta:
“Como ele está hoje, seu Mário?”

“Revigorado, seu Tapajós!”

A peãozada olhou e riu quando entrei com o anão. Como de costume sentamos nos fundos, próximo ao extintor mais alegre. O lugar estava limpinho e com cheiro de Bom Ar. Mas logo ficaria sujo. Bem sujo e fedorento. Bombom fazia seu número costumeiro. Parecia mais lascívia. Ardente. O sêmen do anão havia tocado fundo o seu coração e a deixado mais profissional. Ela acenou sorrindo quando nos viu. Tapajós nos apresentou Cristal. Cristal era uma combinação de cabocla com cearense. Estatura mediana. Magra, olhos claros. Cabelos louros, encaracolados. Bem apanhada, a danadinha. Ficou na mesa com a gente. Calada. Tinha um ar mais atrevido que a de Bombom. Mas tinha sido bem adestrada. Tapajós sabia adestrar bem as suas meninas. Veio uma cerveja pra mesa. Os ventiladores trabalhavam espontaneamente e com mais vigor:

“O senhor notou como está a casa hoje, seu Mário?” Disse Tapajós, nos servindo.

“Bem agitada, hein, seu Tapajós?”

“Olhe, seu Mário, são anos ralando nesse lugar, desde que cheguei à Manaus, vindo de Tocantins. E eu confesso ao senhor que nunca vi a casa assim, saindo pelo ladrão. E isso aqui já foi bom, há uns anos atrás. As meninas eram ótimas. Novinhas, durinhas. A Mel Trepadeira, a Joyce Bananinha, a Bruninha Boquete, a Fernandona moedora de pica... Ah, isso aqui, seu Mário, era um paraíso. Todos vinham para cá deixar seu santo dinheirinho. Mas depois, assim, num piscar de olhos, veio a crise e isso aqui decaiu. As meninas debandaram. Uma revoada de periquitos. Aquilo me  partiu o coração. Só me restaram a Bombom, Cristal e a negrinha que é só cobrir-lhe o rosto com a bandeira do Brasil e pronto! Mas já estão cansadas e emburradinhas. Me dão prejuízo. E olhe o senhor que sou um pai. Chegam às pencas do interior, perdidinhas e maltratadas, e eu acolho todas elas. A negrinha, por exemplo, chegou estragadinha do Anori. Dentes podres. Um hálito do cão. Cuidei dela e hoje ganha honestamente o pãozinho dela. Sonha com dentes de ouro, a pobrezinha. Bombom e Cristal é o que eu tenho de melhor por aqui. Seguram as pontas. De fé. Aí o senhor me aparece com este anão e olhe o resultado agora. Olhe pra isso, seu Mário! A casa cheia. Vamos faturar muita grana, meu  amigo. Eu lhe digo!”
Fiquei animado também e tomei uma golada da minha cerveja. Tapajós continuou falando com nostalgia. Falou da sua vida. Da sua luta. As pessoas estavam impacientes para ver o anão ejacular. Passei discretamente minhas mãos nas coxas de Cristal e ela não disse nada. Estava séria. Sem dizer uma palavra. Fiquei ali brincando com os meus dedos como quem não quer nada bem na entrada da sua buceta. Meu pau já era um ferro em brasa. Mais gente chegava. Vi quando Jesus entrou. Moreno-claro, alto, magro. Trazia enrolado nos punhos, um punhado de terços. Uma figura, este Jesus. Sobrevivia dos terços que vendia nos puteiros e morria de amores por Cristal. Chegou ao desatino de pedir-lhe em casamento. Parado à porta, ele erguia a vista procurando por Cristal. Não largava o osso um só instante. Outro aspecto interessante no moço Jesus é que mancava de uma das pernas e não parava de sorrir. Sorria o tempo todo. Mesmo quando estava triste. Ferido. Viria saber mais tarde que Jesus tinha um problema nos músculos faciais decorrente de um derrame que sofrera e que o deixou para sempre com aquele sorriso idiota congelado na cara. Jesus freqüentava o Delirium desde as vacas gordas. Vivia juntando dinheiro para comprar uma casa e tirar Cristal da lama. Mas Cristal só queria tirar proveito do seu coração. Não amava Jesus. Embora ele fosse o seu melhor cliente, ela nunca o amou de verdade. “E agora mais este me querendo roubar a Cristal.” Reclamou seu Tapajós, levantando-se.

“O selior é o plai dlu anão?” Perguntou Cristal. Falava engraçado, Cristal. Tinha a língua presa. Cuspi longe minha cerveja querendo rir. Controlei-me.

“Não, minha querida. Apenas amigos. Sou seu empresário agora.”

“É vledade qlele gloza longi?”

“É sim, meu anjo.”

“Mlas, asxim, dlaqui?”

“Dessa mesma distancia de onde nós estamos agora, bebê.”


“É plaplo dlo selior.” (Francamente não sei se reproduzi bem a fala de Cristal, mas enfim.) Jesus sentou em uma mesa próxima e acenou pra Cristal balançando os terços. Sorria como um idiota. Por dentro, queimava em ciúmes. Não foi com minha cara, não, este Jesus. Não conseguia conceber como um homem podia viver daqueles terços. Balançava os terços demonstrando impaciência. Cristal pediu licença com sua fala engraçada e foi até ele. Precisava trabalhar. Era bastante gostosa, Cristal. E como rebolava. Mas eu ainda tinha a Bombom. E ela estava impossível àquela noite. Fazia sua performance com uma garrafa de cerveja simulando uma masturbação. Estava bêbada. Alegre. Sentia de longe seu cheiro de puta no cio. Agora sim, parecia uma mulherzinha de verdade. Valente. Corajosa. Mais gente chegava. A casa já inteiramente tomada. A grande horda acotovelava-se pelo salão. O chão de madeira do Delirium tremia. Seu Tapajós andava de um lado para outro esfregando as mãos. Olhei para Da Cruz e notei que seu pensamento estava longe. Ele olhava triste vendo o globo girar. Falava pouco, o anão. Até ali, não havia notado nada de errado com o meu camaradinha. Só mais tarde, é que eu viria perceber algo de muito estranho que se processava nele cada vez que esporrava. Algo que me tiraria o sono. O sono de todos. Mais calma, outra vez! Isto é mais pra frente...

sábado, 28 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE V

CARALHO, EU NUNCA VI ISSO!

Era uma tarde de muito calor. Asfixiante mesmo. Subimos as escadas de um stripper que ficava nos altos de um casarão antigo no centro de Manaus. Chamava-se Delirium Drinks. Lugar pequeno e abafado, mergulhado numa penumbra vermelha. Ventiladores trabalhavam emburrados. Um cheiro de cêcê, sebo de pica, urina e suor. Mas foi o que conseguimos de melhor uma hora daquelas. E o anão parecia não ligar muito para todo aquele fedor escroto. Sentados nos fundos, próximos a um extintor desempregado, meu amiguinho tinha os olhos atentos e cheios de libidinagem. Reparava em tudo a sua volta. Uma puta nos serviu a cerveja. Era baixinha e tinha os peitões pulados pra fora do vestido sem alça. O anão não tirava os olhos deles. As pessoas olhavam para nós. Logo nos tornaríamos a atração do lugar. Depois de um tempo ali não sentíamos mais o fedor. Éramos parte da mesma merda. A puta que nos servira a cerveja subiu no pequeno tablado e iniciou o seu número. Relaxei. Ah, como eu adorava àquelas tardes quentes e solitárias daqueles prostíbulos fedidos nos arredores do cais. Se pudesse, ficaria ali sentado para sempre, só bebendo. Sem esperar absolutamente nada da vida. Ela podia seguir sem mim. Tanto fazia. Eu tinha agora o anão. E ele já havia nesse instante puxado o seu pau pra fora e iniciado uma punheta alucinante: flap flap flap – eu ouvia fortemente aquele barulho. Eram como pisadas secas de sandálias num chão duro. Inútil tentar impedi-lo. Um cara se aproximou pra olhar. Depois um outro. Vários. O anão continuou se masturbando com fúria. Indiferente. Ninguém ligava mais para a dançarina. Ela mesma parou de dançar para olhar. O anão estava cercado de curiosos. “Ele vai gozar! Ele vai gozar!” Alguém gritou. A platéia afastou-se e o jato dourado jorrou longe e potente atingido o tablado onde se encontrava a puta. A gala espessa acertou-lhe em cheio o ventre. O impacto arremessou-lhe ao chão. “Caralho, eu nunca vi isso!” Alguém falou. Veio uma cerveja pra mesa. Depois outra. Horrores. Veio cigarros também. E é claro, a dançarina atingida, acompanhada de um sujeito alto e gordo; muitos cordões no pescoço, cara de traficante.
“Foi ele, seu Tapajós! Apontou para o anão. Da Cruz pediu desculpas, envergonhado. Disse que era algo que ele não podia controlar. A puta mascava chicletes enfurecida:
“Relaxa, Bombom! Dá um trato no anão e deixa o resto comigo.”  Disse o sujeito gordo dos cordões para a garota. Era o dono da espelunca. Imaginei rolando as escadas com o anão. Mas o sujeito sentou na nossa mesa. Bombom pegou na mão do anão e o conduziu para um dos quartos que ficava nos fundos.
“O papo agora é reto, camarada!” Disse ele arredando sua cadeira para mais junto de mim. Senti dessa vez um cheiro de queijo rançoso. Acendi um cigarro. Uma puta no canto assoava o nariz. Era negrinha e tinha o olhar triste e doce de quem acabara de sair de uma senzala.
“Pois diga!”

“O anão é parente seu?”

“Apenas amigos!”

“Ele ejaculou em uma das minhas meninas.”

“O senhor me desculpa!”

“Como ele faz isso?”

“Não sei. Simplesmente sai!”

“Mas a esta distancia? Já pensou em ganhar dinheiro com ele?”

O cara havia pensado minha ideia. Não soube responder.

“Acha que ele pode esporrar mais longe?”

“Melhor não forçar.”

“Quero ver ele esporrar!” Pareceu uma ordem. Não demorou nem dez minutos, Bombom trazia de volta o anão pelas mãos.

“O que houve?” Quis saber o sujeito dos cordões.

“O anão broxou, patrão!”

“Porra, Da Cruz!” Eu disse. Em resposta, a criaturinha encolheu os ombros.

“Vá, vá, vá, que é isso, o cara também não é nenhum super homem. Senta aí, Da Cruz, e pede alguma coisa pra beber.” Disse Tapajós tentando atenuar a situação. Voltamos a negociar.

“Acha que o anão consegue esporrar outra vez?” Virei para o anão:

“Consegues, Da Cruz?” Da Cruz fez que sim, balançando animadinho a cabeça.

“Quede a Cristal?” Perguntou Tapajós para Bombom.

“No quarto, com Jesus!”

“Este não desiste. Vai tu mesmo!”

“Porra, seu Tapajós, virei tiro ao alvo de anão agora, foi?”

“Não reclama, caralho. Põe um sorriso nesse rosto duro e vai trabalhar.”

Bombom caminhou contrariada para o tablado. Bombom era baixa e atarracada. Bundinha empinada. Estilo patinha. Um belo produto de Codajás. Subiu no tablado. Tapajós pediu pro DJ anunciar que o anão ia esporrar. Os bebuns se ajeitaram para ver. Um bando de punheteiros derrotados. Bombom iniciou sua dança erótica ao som de um bate estaca. O anão puxou o pau pra fora outra vez:

“Diz pra ele não ter pressa.” Recomendou seu Tapajós.

“Sem pressa, Da Cruz.” Mas ele já estava batendo. O mesmo ritmo. A mesma intensidade. As maõszinhas do anão trabalhavam ao ritmo da música. Tapajós aproveitou e pegou um cigarro meu. Bombom mexia-se no tablado. O anão punhetava-se. Mais e mais. “Bizonho, Bizonhudo, Bizonhão. Filhodumaégua!” O anão murmurava. Consegui ouvir o que ele dizia dessa vez. Eram só bobagens. Delirava. Parecia possuído por uma força sobrenatural. Seu rosto havia se transformado. Uma feição horrenda. Demoníaca. Como se fosse ejacular toda sua fúria sobre o mundo. Tapajós não tirava os olhos do pau do anão. Estava preocupado.

“Diz pra ele ir mais devagar, porra!” Já havia um cerco de curiosos em sua volta. Bombom mandava ver no palco. Ninguém ligava pra ela. Entramos em transe todos nós.

“Diz pra ele ir devagar! Pra ir devagar!” Falava Tapajós, apertando-me os pulsos. Mas o anão não dava ouvidos. Acelerava mais e mais. Dizia aquelas bobagens novamente: Bizonho! Bizonhudo! Bizonhão! Filhadumaégua” Bombom girava em volta do ferro. Sozinha. Largada. Vendo ela ali, desamparada – abraçada ao ferro – meu pau logo endureceu. Um globo pobre girava. A negrinha veio ver. Riu do anão, levando a mãozinha à boca. Assoou o nariz. Imaginei ganhando muito dinheiro com o anão. Gozando do bom e do melhor que o dinheiro pode proporcionar à um mortal. Não me preocuparia mais em ir atrás de empregos. Me humilhar para um bando de filhas das putas que só exploram. O anão era minha galinha dos ovos de ouro. Milha “Ilha do Tesouro”, do Stevenson. Pensava nessas coisas. Enquanto ele punhetava-se, eu sonhava. Um dos bebuns aproveitou para bater uma punheta também. Encostada ao ferro, Bombom arregaçou a xota. Achei que estivesse simulando uma siririca. Mas ela levava à sério a brincadeira. Seus dedinhos estavam realmente enfiados em sua buceta. Aproveitei para bater uma punheta vendo Bombom bater siririca. Olhei e vi um cara de joelhos chupando o pau do DJ. Alguém avançou na negrinha. Putaria geral. O anão inspirava à todos. Até seu Tapajós resolveu bater uma. Pediu pro anão enfiar o dedo no seu cu. Começou bater uma com o dedo do anão enfiado no seu cu. Tremenda putaria. Eu mandava ver na punheta. Bombom na siririca. Os caras revezando na negrinha. Gemidos. Suruba coletiva. É, foi. E você não acredita, né, leitor? Nem peço-lhe que acredite. Paciência. Mas eu estava lá e vi tudo. Juro que vi! O anão tinha os olhos revirados. Pedia passagem com as mãos. Iria ejacular. Mirou bem o pau: UM-DOIS-TRÊS E POW!!, lançou bem longe o jato dourado que passou zunindo em nossos ouvidos. Não fosse Bombom abaixar-se há tempo, o jato dessa vez lhe acertaria em cheio a cara. Olhei. Um a um todos foram esporrando. Nunca vi tanta gala saindo de uma vez só. Tanta meladeira junta. A punheta de suas vidas. Fui o último a esporrar olhando Bombom batendo siririca. Ela também gozou esfregando-se no ferro. Não vi a negrinha. Depois daquele transe, todos se olhavam desconfiados. Mas, felizes. Conversavam agora uns com os outros em perfeita comunhão. Tapajós fumava um cigarro pra disfarçar. Tudo foi voltando ao normal. O DJ desencavou o Conga La Conga da Gretchen e todos puseram-se a dançar animados. Tapajós e eu voltamos a negociar. Três ejaculações do anão por dia, R$50,00 por cada esporro, pra começar. Cento e cinqüenta vezes seis daria por semana... 900,00. O que me renderia no mês, R$ 3.600. Eis aí todo o sentido da contabilidade. Um salário que nunca sonhei em ganhar em toda minha vida de cachorro fodido e explorado nessa terra. Fechamos negócio. O anão não se importou. Parecia natural para ele. O problema viria mais tarde, como os senhores verão. Mas, calma! Vieram mais cervejas pra mesa. Horrores. Da Cruz e eu deixamos o Delirium, cambaleantes.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - IV

 A SOLIDÁO É UMA PEDRA TUMULAR.

Era uma manhã mais ou menos como esta: cinza e soluçante. Eu me recuperava mais ou menos da perda. Entrei naquele açougue para comprar carne. Um anão saiu dos fundos e veio me atender. Tomei um susto. Nunca tinha visto aquela criaturinha antes. Conversando com ele, me disse que já estava ali há anos, eu é que nunca havia reparado nele.
“Como pode isso ter acontecido, não é mesmo meu camaradinha?” Brinquei. O anão que se chamava Da Cruz, fez um gesto amigável do tipo, Ah, deixa pra lá. Fui para casa pensando no anão. Seu aventalzinho sujo de sangue. Os olhos tristes e baixos de um cãozinho desamparado atestavam cuidados paternos. O anão preencheria o meu vazio. No dia seguinte, voltei lá para conversar um pouco mais com o anão:
 “Escuta, meu camaradinha, cê gosta do que faz aqui?” O anão me olhou assim e disse:
“Pra ser sincero, meu patrão, não gosto, não. Ganho mal e já não posso mais pagar o aluguel.”
“Quê cê sabe fazer?”

“Sei cozinhar e muito bem.”

“Quer vir morar comigo?” Os olhinhos do anão brilharam. Aquilo quis dizer um sim. Levei o anão para morar comigo. Não sei viver sozinho. A solidão é uma pedra tumular...

V – O ANÃO

Era estranho ter um anão em casa. Mas Da Cruz estava me saindo melhor que a encomenda: lavava, passava, cozinhava. Passou a cuidar das minhas unhas também. Pés e mãos. Coisa que Selminha já não fazia mais. Quando a mulher se descuida das unhas do marido, é porque sua devoção por ele acabou. A devoção de Selminha por mim tinha acabado há muito tempo. Eu é que ainda não havia sacado isso ou não queria ver. Mas voltamos ao anão. Ele e eu ficamos amigos. Como se fossemos marido e mulher de verdade bem no início de uma relação. Nos fins de semana – para compensar todo o seu empenho doméstico – eu o levava para passear no cais. Mostrava-lhes os navios como fazia meu finado pai. Numa ocasião, expliquei a ele:

“Meu pai trazia-me sempre aqui para olhar os navios. Mas eu não sou seu pai, entendeu?” Ele apenas ria, divertindo-se com os mergulhões. Depois íamos bebericar pelos botecos adjacentes da orla. As pessoas olhavam para nós dois. Era divertido. Os amigos de copo diziam:

“Mário Augusto enlouqueceu! Deixou Selminha para viver com um anão.” Mas eu não ligava muito pra isso, não.  Havia retomado minha ordem cerebral. Um sopro novo de vida, o anão me trouxe. Lia para ele os meus contos. Velhos e novos. Tinha agora com quem compartilhar as minhas estórias malucas. Selminha não tinha mais paciência de ouvir minhas estórias. Achava-as absurdas demais. Dizia que eu não tinha visão romântica. Acho que nunca tive mesmo. Mas o anão gostava do que eu escrevia. Ouvia minhas estórias com atenção enquanto batia as roupas no tanque. Aqui ou ali, um palpite. Experimentava uma felicidade momentânea ao lado daquela criaturinha que vi de repente, surgir. Sim, surgir. Da Cruz era uma prova empírica daquilo que sempre acreditei: anões não nascem. Surgem.

Depois que a grana do Inseguro-Desemprego acabou, a coisa ficou preta de verdade. Avisos de cortes na água, luz, telefone... Precisava arranjar um trampo qualquer. Já estava ficando desesperado quando – certa noite, ao regressar para casa – dei com uma cena estranha e engraçada: o anão masturbava-se freneticamente no sofá da sala, assistindo a um dos meus filmes pornôs. Ele não tinha dado por mim ainda e seguia curvo com a punheta. O rosto transformado. Falava um dialeto estranho enquanto punhetava-se. Segurei a risada. Não queria atrapalhar. Então o vi soltar um urro e em seguida ejacular a um raio de uns três metros mais ou menos – que era a distância exata que separava o sofá da televisão. O sêmen atingiu em cheio o aparelho, cobrindo-lhe toda a tela. Fiquei olhando para aquilo aterrorizado, sem acreditar. O sêmen era dourado e escorria grosso e pegajoso pela tela da TV. O piso da sala
recebia os pingos grossos que caiam em camaralenta, provocando um som oco e assustador. O homúnculo era sem dúvida o cara que mais ejaculava no mundo. Cogitei. Não me ocorrera de imediato o plano que eu viria desenvolver mais tarde. O que senti naquele momento foi pena do anão. Muita gala retida. Um tonel. Pensei em levá-lo a um stripper para ele aliviar a tensão.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE III



SEPARAÇÃO

Naquele mesmo dia havia estourado toda a grana e voltei bem tarde para casa. Bêbado, fedido; aos pedaços. Tomei um banho demorado, bati uma punheta pensando na Dagmar e me enfiei na cama, ao lado de Selminha que dormia como uma pedra. Tive sonhos pesados. Num deles sonhei que eu era um imenso barco e que naufragava em merda. Meus pulmões se enchiam de merda. Me afogava em merda. Selminha me deu umas cotoveladas e eu despertei daquela premonição onírica-escrota. Ela, ao contrário, havia sonhado com cobra. Acordou cedo toda pronta e cheirosa me dizendo que havia sonhado com cobra:

“Sonhei com cobra esta noite e cobra é traição.”

“Quê cê quer dizer?”

“Que para mim chega, Mário Augusto!” Depois ouvi seus passos pela cozinha. O seu perfume forte. O toktok frio e seco dos seus saltos altos. Minha cabeça latejava. Tentei ligar a televisão, mas o controle estava sem pilha. Olhei e vi sua mala pronta no canto do quarto. Senti o cheiro de comida. Selminha sempre deixava tudo pronto antes de sair para trabalhar. Até ali, tudo bem. Mas o que fazia aquela sua mala pronta no canto do quarto? Não costumava ficar sobre o guardarroupa?

“O que tá acontecendo? Ainda são seis da manhã! E essa mala pronta?”

“Estou deixando esta casa. Saindo da tua vida. Não quero mais isto para mim. Chega, Mário Augusto!”

“Caralho, vamos conversar!”

“Não tem mais conversa entre a gente. Saio hoje da tua vida. Agora e já!”
Sentei à beira da cama, atordoado. Não sabia o que pensar. A verdade é que já não nos entendíamos algum tempo, e por conta disso, Selminha vivia prometendo me deixar. Entrei em pânico. Se Selminha me deixasse, eu estaria fodido. Quem iria me sustentar? Estava desempregado.

 “Vamos conversar, amor.”

“Amor uma ova! Vou deixar a comida pronta e o dinheiro do açougue. Depois tu te vira!” E caminhou até à porta. Havia muita raiva e veneno naquele toktok dos saltos. Eles me mandavam à merda. Sequer olhou para trás. Estava mesmo decidida. Depois que ela fechou duramente a porta na minha cara – arrastando aquela sua mala - é que vim sentir na pele que ela falava mesmo à sério. Selminha partiu. Fiquei grogue uns dias, sem saber definitivamente o que fazer. Não tinha uma profissão àquela altura da vida. Acho que nunca tive. Sempre dando cabeçadas nos muros. Na verdade queria ser escritor, mas escritor não é uma profissão e não dava dinheiro, além do mais – como ela mesma costumava dizer – literatura não põe comida na mesa. (Minha velha também vivia me dizendo isso). Embora me empenhasse o bastante, no fundo elas tinham razão: os livretos que eu escrevia não ajudavam muito.
TODO ARTISTA OU ELE FICA SÓ OU ELE PROGRAMA A MULHER
(Ecumênicus me falou certo dia sobre isso e eu fiquei pensando onde exatamente eu encaixaria esta máxima na minha vida).

Passei a beber o dobro do que bebia. Olhava a escuridão da janela e chorava sempre quando ouvia aquela música do filme AEROPORTO 77. Um dia me enchi de ficar enchendo a cara, olhando a escuridão da janela, e ouvindo aquela música triste do AEROPORTO 77 e fui até o açougue comprar comida. Foi aí então que o anão entrou na minha vida e tudo mudou...

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE II



 DAGMAR

Descemos as escadas daquele motel e paramos na porta. Olhamos a rua. Antes de se despedir, ela mordeu os lábios e me olhou com certa candura:
“Pode me arranjar mais dez, que é, pra, sabe, comprar o meu remédio? Estou sem remédio em casa, é por isso que tenho tido esses ataques.” Dei-lhe mais dez reais. Apertou meu queixo e tomou seu rumo. Vi aquele enorme bundão se afastando e aquela sensação escrota que tinha sido engabelado. Atravessei a ruazinha e entrei no Holandas. Pedi uma cerveja, é claro. Fiquei ali no balcão tomando minha cerveja. Alguém tocava em um órgão um bolero podre e rastejante.
“Porra! Sessenta paus! Me custou caro essa puta!” Pensei alto. Tomei uma golada. Naquele momento eu ainda não havia percebido uns carinhas que riam de mim no balcão. Balcão de bar é lugar de respeito. Me aproximei deles:

“Sei lá, mas tenho a impressão que estão rindo de mim.”

Os caras se olharam. Um deles disse:

“É que vimos o senhor saindo do Nacondas com a Dagmar.”

“Sim, e daí?”

”Daí que o senhor provavelmente foi mais um que caiu no golpe dela.”

"Que golpe?”

“O mesmo que a maioria sempre cai.” Disse o outro. Pensei no ataque epilético.

 “A dona é doente, porra!”

“Conversa! A gente conhece aquela puta. Doente coisa nenhuma. Vigária, isso sim.” Falou este outro. É, os caras tinham razão. Todo aquele papo de epilepsia. A dona havia me engabelado mesmo. Tão boa atriz aquela filha da puta era. E aqueles dois ali. Só mais tarde é que vim descobrir que os caras ficavam ali o dia inteiro, sentados no balcão do Holandas contando o número de otários que caiam na lábia da puta. Eu era mais um. A vida tem dessas coisas. Não, não! A vida não tem dessas coisas. Eu é que fui um otário mesmo. Fingi um, ah, foda-se! Sequei a garrafa e pedi outra.
Mas e o anão, afinal de contas? Calma, senhores, chegaremos nele já, já! Antes, devo lhes falar de minha separação.

       

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE



                                                (...) o foda não é a subida. É a queda.

                                                                                    (Jesus)





PARTE I – BARGANHA

Ela estava tendo uma espécie de avecê ou algum ataque epilético, sei lá, e aquilo era feio demais. Fiquei ali na cama encolhido olhando horrorizado àquela cena deprimente sem saber exatamente o que fazer. Era uma situação nova para mim: aquele imenso corpo se tremendo todo. Os olhos arregalados fitando o teto espelhado. E ela era tão gostosa, aquela mulata. Um corpão maravilhoso. Um bundão do caralho e eu nem cheguei a meter nela. Que desperdício! O espetáculo de horrores durou quase meia hora. Quando ela parou de tremer e ficou ali inerte na cama com a cara torta – lembrando aquele clássico do Exorcista – achei que tivesse apagado de vez. Toquei levemente com o pé na altura do seu ombro esquerdo. Nada. Mas não estava morta, não, pois que lhe senti o corpo ainda quente e um leve respirar de passarinho. Levantei-me e fui ao banheiro urinar. Urinei mais tranquilo. Até aproveitei pra fumar um cigarro. Quando voltei, ela estava lá sentada à beira da cama; os cabelos desgrenhados parecendo uma bruxa nocauteada. Os peitões firmes pulados pra fora porque ela havia se livrado apenas da blusa quando sofreu o ataque.
“Desculpa, foi mal. É que estou sem tomar meus remédios.” Ela me disse passando a costa da mão no nariz ajeitando seus cabelos para trás. Passou a travessa e já estava de pé pronta para a guerra. Era imensa e gostosa metida naquele jeans apertadíssimo que lhe deixava com um enorme bundão. Passei a tarde inteira desejando aquele bundão atrás daquele jeans colado na pele. Tinha grana para comer aquele bundão. O dinheiro do meu inseguro desemprego. Fiquei pensando no que dizer. Ofereci-lhe um cigarro e ela aceitou.
“Você me desculpa, mas preciso ir.”
            
           “Mas nem transamos!”

“Não tem mais clima.”

“Bate uma pra mim? Pra não perder a viagem, sabe como é.”

“Punheta é vinte!”

“Porra, vinte é muito por uma punhetinha. Fecha em quinze?”
            
            Ela me olhou com um olhar azedo e disse:

“Quinze, mas tem que ser rápido.” Fiquei de joelhos sobre a cama como um adolescente afoito e desci apressado o zíper da calça. O pau pulou pra fora feito um demônio enlouquecido.

“Só mais uma coisinha, pode ser?”

“Diz aí!”

“Dá pra você, bom, ficar assim de quatro e arriar só um pouquinho seu jeans pra ver sua calcinha enquanto você bate uma?” Ela estendeu sua mão direita dizendo imperativamente:
 “Mais dez?”

“Oquei!” Ficou com a mão estendida. Apanhei a carteira e dei os dez.
         
          “Por que não me dá logo os vinte e cinco?” Dei-lhe os vinte e cinco. Ela arriou uma parte do jeans até os joelhos e eu vi sua calcinha vermelha aparecer. O tecido vermelho sobre a pele negra. Uma loucura. Pôs-se de quatro e a sua enorme bunda projetou-se no teto espelhado daquele motel vagabundo. Uma visão esplendorosa a daquela mulata acaboclada. Coxas poderosíssimas, bunda prepotente. A mão direita dela enlaçou meu pau e foi pressionando com frieza para cima e para baixo. Ela me olhou nos olhos com submissão. Aquilo me deu mais tesão. Olhei para sua boca enorme e carnuda. Pensei em muitas sujeiras. Enfiar meu pau naquela boca. Em espancar aquele enorme bundão. Depois montar nela. Enfim, mostrar quem mandava ali. Enquanto ela acelerava a punheta, fiquei pensando quanto de dinheiro ainda tinha na carteira. Peguei a carteira com a direita, enfiei a mão trêmula lá dentro e alcancei uma nota de dez. Mostrei pra ela:

“Um boquete, vai?”

“Boquete é trinta, bebê!”
          
        “Porra, trinta? Assim tu me quebra. Paguei horrores de cervejas no Holandas, lembra não?”
 “Vinte e cinco e não se fala mais!”

“Vinte e cinco, fechado!” Peguei a grana.

“Não demora pra gozar, não, caralho!” Pegou os vinte e cinco e foi abocanhando meu pau latejante. Caralho, senti um prazer imenso. Não havia amor, não havia ternura. Melhor assim. Apenas aquela língua trabalhando o meu pau. Apertava-lhe com a boca. E que boca! Uma boca milagrosa. Meu pau cada vez mais duro, feito uma estaca apontada pro céu. Oh, glória! Devia ser umas seis da tarde daquele dia. Os sinos da Igreja Matriz. A Ave Maria de Gonoud. Vai cadela! Chupa! Olhou-me furiosa. Calei-me. Prosseguiu chupando. Sua língua deu uma volta na base circular do meu pau e depois foi escalando lentamente até à cabeça dele. Brincou um pouco nela com a ponta da língua. Uma profissional, era. Tava me deixando louco. Dei o primeiro solavanco.

“Não vai gozar na boca, porra!” Tentei segurar o segundo, mas ele veio. Potente. Empurrei a tempo o rosto dela para não atingir-lhe em cheio sua cara. Pingou um pouco de sêmen na testa.

 “Quase me acertou, seu puto!” Fiquei na mesma posição, ofegando. Mãos na cintura. As pernas tremiam. Ouvi pela primeira vez o ruído do ar condicionado velho. Era deprimente. Tudo fica deprimente depois que você goza. Pensei em Selminha. Em todas as pessoas do mundo. Depois de uns anos de casado, você faz um esforço tremendo pra foder a esposa e ejacular logo. Pede pro seu pau gozar rápido. Pensa na sua vizinha ou na garota da parada de ônibus que é pra ajudar. Não há mais tesão. As relações secam. Tudo seca. Após o coito, você beija falsamente a testa de sua esposa, companheira, namorada, sei lá o quê, e depois vira sua bunda pra ela. E a vida segue...

domingo, 22 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE

O ANÃO DO AÇOUGUE

         A globalização industrial , apelidada de modelo Zona Franca, transferiu uma tragédia social da área rural para a cidade. O realismo também se transferiu. Não mais como expressão do trágico, mas agora como expressão do absurdo social e do absurdo como expressão artística. A estrutura social gerando sua estrutura textual. No rastro das literaturas épicas, líricas e trágicas, emerge a literatura cômica.
     Com a industrialização, Manaus passou a ser uma cidade absurda. Um dos maiores Produtos Internos Brutos e um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano. Um parque industrial High Tech, cercado por 16 comunidades indígenas e centenas de favela. O maior rio de água doce do mundo e a cidade com um dos piores abastecimentos de água potável. A cidade com maior número de igarapés e todos, tirando o Água Branca, no Tarumã, todos poluídos. Igarapés à disposição e um trânsito insuportável. Manaus é sim uma cidade absurda. Aliás, é a expressão do absurdo. Daí que qualquer outra percepção estética que não seja a perplexidade do absurdo será absurda, absurdamente deslocada ou desfocada.
      No rastro literário desta tradição, surge uma literatura do realismo cômico - fantastico e absurdo. Surge do submundo do cotidiano dos trabalhadores e do lupen(z)sinato urbano. Márcio Santana é um dos escritores que emerge neste contexto social e estético.
     O Anão do Açougue, O Homem Com a Abertura na Testa e O Desintupidor de Fossas são três de seus fanzines que li junto com ele, no reduto dos transgressores, em Manaus.
    São contos e expressões da literatura urbana - cômico - realista - fantástica - absurda do Amazonas.
   O Anão do Açougue é exemplar. Um trabalhador vivendo uma desdita amorosa conhece um anão e passa a ter com ele , inicialmente, uma grande relação de amizade, digamos assim. Depois, devido a potente ejaculação do anão quando se masturbava , e devido, também, o interesse comercial de um dono de putero nesta qualidade do anão, o trabalhador-narrador, " fodido e explorado" , como ele mesmo se define, passa a ver o anão com outros olhos. Uma situação ao mesmo tempo realista, cômica,absurda, mas que, pela aparente irrealidade, torna-se , também, fantástica. Real e irreal coexistindo para gerar uma nova realidade.
   Mas engana-se quem não acredita na verossimilhança da trama.
O trabalhador-narrador-observador narrando em terceira pessoa, não tira o cu da seringa: Ele é parte da trama , ele também requenta o submundo, como personagem secundária , é verdade, porém decisiva para que o enredo se estabeleça.
E o trabalhador-narrador é sofisticado. Ele para a narrativa e dialoga com o leitor, questiona sua descrença no fato e o ironiza: " Você não acredita não é, leitor? Mas eu estava lá e presenciei tudo".
   Dou gargalhadas com este conto. E não é fácil fazer o leitor rir.
Márcio Santana, porém, é muito melhor que seu crítico, que seu professor e melhor ainda que esta breve e sentimental apreciação crítica da obra. Nele, forma, conteúdo e vida estão conectados, encaixados. Ele é a própria obra.

Ribamar Mitoso (Escritor, dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas. Mestere MSC em Literatura Amazônica.)